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Ansiedade: o tigre de papel

Atualizado: 4 de set. de 2022

“António”, 29 anos e “há dois anos que não vou a um centro comercial”. “Filipa” diz que não consegue terminar o curso, que iniciou há quatro anos, “poque não consigo ir às aulas, sinto que todos me julgam”. Já “Maria” conta que “tem sido difícil gerir as idas constantes a médicos, na procura do que tenho, e ninguém descobre”. Estamos a falar de uma perturbação de pânico, de uma fobia social e de uma hipocondria. Todas elas pertencentes ao grupo das perturbações de ansiedade. Todas elas altamente invalidantes, tal como as restantes que têm subjacente a sintomatologia ansiógena. “Tomás”, enfermeiro de 35 anos, refere ter-se “despedido, porque não consigo trabalhar, morro de medo de apanhar alguma doença”. Agora, referimo-nos a uma perturbação obsessivo-compulsiva. As perturbações de ansiedade geram um enorme sofrimento e interferem significativamente no funcionamento diário de quem, com elas, vive.

Mundialmente, estima-se que 3,6% da população sofra de uma perturbação de ansiedade, o que corresponde a cerca de 264 milhões de pessoas.

Contextualização

Contrariamente à conotação negativa que se tende a atribuir à ansiedade, além de ser uma experiência comum a todos os seres humanos, é uma resposta evolucionária e adaptativa. Na verdade, sem ela não sobreviveríamos, pois não estaríamos aptos para lidar com os perigos reais que nos rodeiam. Ela alerta-nos para o perigo, e avisa-nos: “tem cuidado”. Atravessar a estrada, ouvir uma buzina e recuar no momento representa uma resposta automática, gerada a partir da ativação do sistema de alerta, que desencadear um conjunto de alterações psicosomáticas que nos permitem reagir. A taquicardia, o suor, os tremores, a hiperventilação são apenas alguns dos sintomas decorrentes da ativação da ansiedade, e que nos permitem fugir e/ou lutar. No fundo, permitem-nos sobreviver. Muitas vezes, o nosso sistema atraiçoa-nos e passa a funcionar em permanente alerta para perigos que, na verdade, são imaginários. Apenas um pensamento pode funcionar como um trigger, que facilmente despoleta todos estes sintomas, ou apenas alguns deles. A ansiedade deixa de ser adaptativa quando começa a interferir com o funcionamento da vida quotidiana. Esta fronteira é, na verdade, dificil de traçar. Infelizmente, em muitos casos, a procura de ajuda surge apenas quando há uma interferência significativa e quando o desespero “bate à porta”.

A ansiedade numa tarefa de desempenho e de avaliação é normativa contudo, deixa de o ser quando nos impede de ser eficazes e/ou nos faz desistir. A ansiedade é normativa quando trabalhamos num local de risco e passamos a ter mais cuidados com a higiene, sobretudo das minhas mãos. Mas deixa de o ser quando me faz lavá-las tantas vezes que a pele fica sensibilizada e acabo por fazê-los mais vezes do que o necessário.

A resposta ansiosa surge sempre que é enviada uma mensagem para o cérebro de: perigo! Nesta lógica, o sistema nervoso autónomo, constituído por dois subsistemas, ativa um deles: o sistema nervoso autónomo simpático. A função deste é produzir um conjunto de alterações fisiológicas, que dão energia ao corpo, permitindo uma resposta de luta/fuga. Duas das substâncias produzidas são a adrenalina e a noradrenalina – duas hormonas produzidas pelas glândulas suprarenais – que permitem que a resposta de alerta se mantenha. Contudo, a ansiedade segue a curva de uma distribuição normal, razão pela qual ela não se mantém nem aumenta de forma desproporcionada e/ou absurda. Quando o corpo percepciona que a resposta deve extinguir-se (porque o perigo desapareceu ou porque é necessário manter a homeostasia corporal), entra em ação o outro subsistema: o parassimpático. Aqui, o objetivo passa a ser: eliminar o excesso de produção das hormonas anteriormente referidas e reestabelecer o estado de relaxamento físico.

A intervenção e o tratamento

Um dos grandes obstáculos à intervenção nas perturbações de ansiedade é o facto de o tratamento da ansiedade se focar na sintomatologia e não na perturbação mental em si. Ou seja, existe uma tendência para a procura de ajuda médica focada em problemas cardíacos (“o meu coração bate tão forte que só posso ter algum problema”; “achava que estava a ter um ataque cardíaco”), gastrointestinais (“tenho dores de barriga e fico com diarreia”), cerebrais (“devo ter algum tumor maligno, sinto uma pressão muito grande na cabeça, fico com muitas tonturas e com a sensação de desmaio”), entre outros.

Então, podemos dizer que assim que surgem os primeiros sintomas, o “ataque” foca-se na psicofarmacologia, deixando todo o racional teórico que permite a compreensão da patologia para segundo plano. Há certamente, quem não entenda nem nunca tenha entendido o verdadeiro significado da resposta ansiosa. Na verdade, a grande questão é compreender que esta sinalização de perigo constante acaba por ser disuncional, porque obriga à ativação permanente de um estado de alerta, bloqueando uma resposta adequada por parte do sistema responsável pela tranquilidade, calmia e bem-estar.

A intervenção psicoterapêutica passa pela compreensão da ansiedade, da sua manifestação, dos sintomas, da função e da aquisição um conjunto de estratégias que permitem lidar com ela. Na verdade, a ansiedade é adaptativa e torna-nos aptos a entrar em ação na presença de perigos e ameaças reais. O grande problema está na sua ativação perante perigos imaginários, que acaba por se tornar disfuncional e provocar um grande sofrimento.

Nas perturbações de ansiedade, a psicoterapia deve incidir num racional teórico que fundamenta a sua existência, dotando todos os procuram esta ajuda de uma série de competências, ferramentas e estratégias que lhes permitam lidar adaptativamente com este estado. Após uma adequada explicação, deverá trabalhar-se a nível cognitivo, sobretudo nos enviesamentos interpretativos e na criação de pensamentos alteranativos realisticos.

Das distorções cognitivas mais frequentes estão a catastrofização, a atenção seletiva e as inferências arbitrárias. É importante que fique claro que a “ansiedade constante em que vivo” está associada à perspetiva com que olho para a realidade, a processo e escolho viver. Dito de outra forma, a ansiedade surge, muitas vezes, como tentativa de controlar, antecipar e evitar a ocorrência de “males maiores” e, por isso, é fundamental que o tratamente permita a reestruturação destas crenças: desconstrução da ideia de responsabilidade exagerada e controlo excessivo. Além disto, a intervenção deve focar-se na exposição a situações/estímulos específicos temidos, permitindo assim demonstrar a quem os teme que “o recetor de perigo está desprogramado e está na altura de o reprogramar”.

Conclusões

As perturbações de ansiedade contribuem ativamente para o mal-estar físico e psicológico das pessoas. Os dados referentes à sua prevalência confirmam e reforçam a necessidade de intervir ativamente no tratamento das mesmas. A procura de ajuda não deve ser negligenciada ou adiada, dada a incapacidade, sofrimento e interferência que este grupo de perturbações mentais provoca.

A ansiedade é um tigre: “dá medo, parece que vou morrer”. Mas é de papel, não nos faz mal, apenas existe para sobrevivermos.

Defendendo uma abordagem completa e holística, e compreendendo simultaneamente as idiossincrasias de cada caso, é fulcral que sensibilização alerte para a importância da intervenção psicofarmacologica coadjuvantemente com a psicoterapia. No fundo, de que adianta tratar as folhas da planta, se o veneno está na raíz?

“Não sabia sequer que era possível eu funcionar assim, sem ansiedade constante. Pensava que era a minha maneira de ser”

“Sinto-me menos cansada, menos exausta, liberta dos meus pensamentos”

“Normalizei a minha vida, lavo as mãos quando estão objetivamente sujas”

“Tenho mais segurança quando vou às aulas, consigo fazer perguntas, apresentar trabalhos, tirar dúvidas”

“Já vou quase a todo o lado sem entrar em pânico. Pelo menos, já consigo passear com a minha filha, levá-la a concertos, ao parque, ao shopping”

“Já consigo ir dormir sem ter de verificar se tudo está desligado. Vou trabalhar sem voltar a casa dez vezes para confirmar se a porta está fechada”

“Finalmente consigo viver”



Inês Sampaio Figueiredo

Psicóloga Clínica


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