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O sapatinho confortável

Atualizado: 4 de set. de 2022

Se nos dermos conta do nosso dia-a-dia, do que temos por hábito e gostamos de fazer, do que dizemos aos outros e da forma como costumamos agir e reagir, facilmente percebemos que tudo isto assume padrões.

Estes padrões, que representam tendências, são pautados pelas nossas experiências precoces, e, acima de tudo, pela forma como apreendemos, organizamos e interpretamos a realidade: o eu, os outros e o mundo.


As interações e papeis que fomos assumindo e vivenciando desde que nos tornámos seres, permitiram-nos construir abstrações de conhecimento que, consequentemente, nos dão capacidade de adaptação e sobrevivência dentro do meio em que nos inserimos. A esta abstração do conhecimento, podemos chamar, metaforicamente, o sapatinho confortável. É confortável porque o conheço, porque sei onde ele faz mossa e porque me habituei a ele.

À medida que crescemos e nos desenvolvemos, conhecemos mais pessoas, deparamo-nos com outras realidades, com exigências maiores e desafios crescentes. É então que precisamos de modificar os nossos hábitos para que haja adaptação.

De um modo geral, esta adaptação ocorre favoralmente sempre que existe flexibilidade: no fundo, sempre que consigo adaptar o sapatinho confortável a muitos contextos, e trocá-lo noutros tantos.

Ou seja, como se este sapatinho correspondesse, metaforicamente, à graduação de uns óculos adaptados à realidade para a qual foram desenhados. Mas, perante novas circunstâncias, preciso de ajustar essa graduação: ou porque estou mais longe ou mais perto, ou porque há mais ou menos luz, ou simplesmente porque essa graduação deixou de ser eficaz.


E se eu não ocorrer este ajuste?

Quando ficamos presos a determinados padrões de interpretação e significados, sofremos muito. Numa situação hipotética em que concorro a uma proposta de emprego para a qual é exigida uma formação específica que sei, a priori, que não tenho e não sou seleccionada, é diferente pensar que não fiquei com o lugar "porque não tenho a formação académica exigida", ou porque "não tenho valor nem competência para assumir o cargo".

A primeira assunção representa uma visão realística da situação, enquanto que a segunda mete em causa aptidões e capacidades próprias, trazendo sofrimento.

A tendência para este padrão de atribuição é, regra geral, uma armadilha do passado.

E porque surge dificuldade em trocar este sapato?

Porque, no fundo, este sapato faz de tudo para continuar a ser usado. É ele que decide onde ir: ou seja, a forma como damos significado à realidade tem por base as ideias que preconcebemos do mundo. E, por isso, fica difícil decifrar quando significamos de forma automática - baseada nas minhas experiências, nas interações precoces, e em tudo o que me foi transmitido. Se não conseguirmos decifrar isso, também não conseguimos mudar.

Mas a mudança é possível. É possivel descalçar o sapatinho, que embora confortável, ficou velho. É possível promover esta mudança. Se mudar a forma como olho e interpreto a realidade (eu, outros e/ou mundo), mudo a forma como me sinto.

Para muitos de nós, chegou a altura de trocar o sapato: porque eu penso e só depois sinto.


Inês Sampaio Figueiredo

Psicóloga Clínica

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